segunda-feira, 14 de maio de 2007

A traição

Esses dias em trocas de comentários no blog da Dani, as falas de Paraíso Tropical vieram a tona. E eu, que não tenho assistido muita novela, tive a sorte de presenciar a Sra. Ana Luísa Cavalcanti dando o esporro do século no ex-maridão. E confesso, deu gosto de ver. Pra completar, nesse fim de semana, dou de cara com esta crônica do David Coimbra. Sensacional. Fora a parte do Bibs e do Chicabom que garanto que se a Marcinha lê, passa um belo corretivo nele.

O Tony Ramos traiu a mulher dele. Na novela, isso. Antes de prosseguir, quero deixar bem claro que não assisto novela. Pelo seguinte: preconceito intelectual. Acho perda de tempo, novela. Portanto, só sei que o tio Tony traiu a mulher dele por passar vez ou outra em frente à TV ligada aqui da Redação ou em frente à lá de casa, quando a Marcinha está vendo. Na cena da traição, eu cruzava pela sala e ouvi a Marcinha gemer com raiva:
- Des... gra... çaaado!
Parei. Lá estava o peludo Tony, de cueca samba-canção e camisa social, flagrado pela esposa, que lhe passava uma descompostura. A Marcinha, sentada no sofá, cerrava os punhos, rilhava os dentes, de seus olhos verdes faiscava a fúria da indignação. Ela torcia, obviamente, pela infelicidade do já infeliz Tony. O autor da novela, é certo, pretendia despertar esse exato sentimento. Porque o desenrolar da trama atendeu à gana da Marcinha e, provavelmente, das demais telespectadoras. Tony não apenas sofreu a humilhação de ser pego de cuecas, como a esposa o xingou e o esbofeteou. Pior: a amante era a Maria Fernanda Cândido, que também trabalhava como secretária de Tony. Pois ele a demitiu, rompeu com ela e a despejou do apartamento que, suponho, lhe pagava. Mesmo assim, a legítima esposa não o perdoou e ainda o besuntou com um sermão que nenhuma inspetora do SOE seria capaz de urdir. A Marcinha uivava, entre dentes: - Rua! Rua!!! RUAAAA!!!
Pensei até ouvir uma gargalhada malévola. O telefone tocou. Era a mãe dela, ganindo do outro lado da linha:
- Viu que tapa bem dado? Viu???
Fiquei assustado. Mais tarde, o susto se transformou em pavor. Testemunhei uma roda de mulheres falando sobre o assunto. Elas repetiam palavra por palavra o discurso de reproche feito pela esposa traída, congratulavam-se pela desventura do triste Tony (bem feito!, bem feito!), vibravam porque a amante também havia se dado mal, e faziam todos esses comentários com ódio. Sim, era o feio sentimento do ódio que as motivava. Elas espumavam feito Hitlers, elas rugiam como o mar encapelado da Praia Brava, elas cerravam os punhos macios. Elas sentiam-se, de alguma forma, vingadas por todos os ultrajes que todos os homens já cometeram contra as mulheres algum dia. Foi uma catarse pública, esse capítulo da novela. Foi também uma revelação. Quanto ressentimento habita no peito das mulheres do século 21. Quanta amargura.
Será que elas não vêem que uma pequena infidelidade não representa nada de importante para nós, homens? Será que elas não percebem que, às vezes, sexo, para nós, não passa de diversão? Que não tem mais conseqüência do que, sei lá, comer um Bibs ou um Chicabom? Com a vantagem de que não engorda.
Além disso, será que elas não viram que Tony, o miserável Tony flagrado dentro de suas cuecas, traía a esposa, sim, mas com a Maria Fernanda Cândido? A Maria Fernanda Cândido, pô! Isso não atenua nada? Isso nada diz ao coração pétreo das mulheres do século 21? Quanta insensibilidade. Quanta incompreensão. Em que século vivemos!
(David Coimbra)

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