quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Bel far niente*

Acordei as 6:45 para chegar no escritório as 7:15, momento no qual nenhuma viva alma poderia me encontrar, ligar, mandar e-mail ou sequer pronunciar aquela terrível frase que escuto 418 vezes por dia: "Ãhn, Kelen, será que tu poderias...". Eu tinha uma hora pra adiantar um trabalho urgente, mas as 8:15 da manhã chegaram sem eu sequer abrir aquele projeto simplesmente por ter ficado respondendo todos os e-mails que brotaram na minha caixa de entrada das 20:00 de ontem até as 7:15 de hoje. Saí correndo pra obra onde deveria chegar as 8:30, tendo pela frente além do deslocamento em si mais 5 níveis de rampa para subir. A pé. Meia hora depois o caminho inverso me esperava pra retornar ao escritório, onde diversas criaturas diabólicas sequer esperaram eu largar a bolsa pra poder pronunciar aquela terrível frase "Ãhn, Kelen, será que tu poderias...". Por favor, posso fazer xixi antes? Posso respirar e contar até 10 antes de responder qualquer coisa? Nova chuva de e-mails, cobranças, prazos, novidades e sigo sem abrir aquele tal projeto que eu deveria ter iniciado às 7:15 da manhã. Metralho respostas atrás de respostas pra todos os e-mails e quando penso que começaria a trabalhar, percebo que já são 13:20 e que eu ainda não saí para almoçar e ainda preciso comprar aquele material praquele evento e que tenho que estar as 14 horas na reunião com o meu cliente para as 15 chegar naquela outra reunião com aquele engenheiro. Ponho os pés na rua com dois celulares na mão que por três vezes tocam simultaneamente, com certeza pra tirar sarro da minha cara, porque sério, não pode ser por outro motivo. Sabe o material que eu preciso comprar? Não tem e eu preciso dele. Esqueço o material, almoço em 7 minutos cravados, pego um táxi, vou pra primeira reunião, tudo decidido, novo táxi, nova reunião, entro na casa, mostro a elétrica, saio da casa, bato a porta e o engenheiro que me acompanhava na obra (e que esperou eu atender o marceneiro que quer que eu vá na obra outra vez as 21 horas, a empresa de adesivos que deveria ser problema da agência e o cliente da reunião anterior dizendo que tinha dado um probleminha na nossa compra) pergunta:

- Quer uma carona?

Olhei pra ele , olhei pro sol e falei:

- Não, obrigada, eu vou a pé.
Desliguei os dois celulares, coloquei meus óculos e respirei fundo, provavelmente pela primeira vez no dia. Infelizmente o escritório fica há apenas duas quadras e meia da obra, porque aqueles aproximadamente três minutos que levei a passos lentíssimos da Bagé até a Soledade, com o sol batendo no meu rosto e com todos os pássaros que povoam o Bairro Petrópolis cantando pra mim, foram sem dúvida os melhores dois minutos desta semana.

Agora com licença, vou abrir aquele projeto que eu deveria ter começado as 7:15 da manhã, ao som daquela terrível frase que se repete nos meus ouvidos: "Ãhn, Kelen, será que tu poderias..."


* expressão italiana que significa "A beleza de não fazer nada", retirada do livro que estou devorando "Comer, rezar, amar" e que a cada capítulo me convence de que eu preciso de um período sabático.

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