quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Me despindo de preconceitos - parte dois

Tenho feito muitas coisas em Barcelona pra deixar a ansiedade de lado. Nunca fui tão agitada e hiperativa na vida. Corro, caminho, pedalo, trabalho, leio, escrevo e mesmo assim o corpo não cansa nunca. Consigo fazer tudo isso e ainda assim chegar no fim do dia cair na cama e não conseguir dormir; o corpo está cansado mas a agitação continua a mil dentro da cabeça.
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Logo que cheguei aqui, a Tati me disse que era budista e que às terças-feiras um grupo se reunia para praticar. Com as férias, as reuniões não aconteceram, mas muitas vezes, quase todos os dias, presenciei a Tati concentradíssima na frente de uma espécie de altar (devo estar falando besteira mas ela não está aqui pra me corrigir) entonando um sutra, como ela me explicou depois. A frase repetida incansavelmente diz NAM MIOHÔ RENGUE KIÔ e eu não vou tentar explicar aqui aquilo que eu mesma estou tentando entender, cliquem e tirem suas próprias conclusões. Mas uma das explicacões bastante convincente que ela me deu é que ela se baseia naquela velha lei de Lavoisier (que pra mim virou a lei do Jorge Drexler): nada se cria nem se perde, tudo se transforma. Observei essa prática por um mês, até ontem.
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Sou de uma família católica não praticante, com exceção da minha falecida avó paterna que ia à missa todo santo dia e que conseguiu até mesmo fazer meu pai quase ateu ser coroinha por um tempo. Mesmo não praticante, respeito e acredito em muitas coisas ligadas a religiosidade, não todas. Há anos ando com meu escapulário, agora substituído pelo pequeno terço que ganhei de presente para a viagem e acredito na proteção deles; faço o sinal da cruz na frente de qualquer igreja; rezo sem regra de hora, dia ou lugar para pedir e para agradecer; não sou devota a nenhum santo, mas tenho sérias conversas com Santo Antônio e com São Expedito. Mas não estou fechada para coisas que surjam e que possam acrescentar alguma coisa boa na minha vida.
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Então em meio a devaneios sobre dúvidas, angústias e decepções desta vida, a Tati mais uma vez me convidou pra uma dessas reuniões. Expliquei pra ela da minha dificuldade, que eu não consigo sequer resistir a uma aula inteira de yoga, que quando chega na parte final de ficar deitada pensando em nada, visualizando bolhas coloridas ao redor de mim ou sentindo vibrações até mesmo no couro cabeludo, minha cabeça já está pensando na lista do supermercado e o corpo louco pra levantar dali. Mas mesmo assim resolvi tentar e decidi que mal não poderia me fazer, afinal eu podia estar roubando, eu podia estar matando, mas não, vou estar praticando budismo.
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E a reunião conseguiu o impossível: fiquei por uma hora parada, sentadinha, concentrada naquele sutra e esvaziando a minha cabeça. Li em japonês orações escritas originalmente com hideogramas chineses. Repeti o sutra até a boca ficar seca. Além disso, durante a invocação, temos que pensar e concentrar muito naquilo que mais desejamos. Limpei a mente de todas as besteiras que pensei em pedir e me concentrei realmente naquilo que mais desejo. Quando terminou, não parecia que tinha passado uma hora.
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No final as pessoas conversaram um pouco e todos se disseram impressionados por ser a minha primeira vez, por eu ter aguentado uma hora e por estar tão concentrada. Mal sabem eles o quanto eu quero aquilo que eu quero... me falaram da força e do poder da prática diária e que eu não deixasse de acreditar e me esforçasse para seguir a diante. Falaram o quanto vai me ajudar a me sentir mais tranquila, mais leve, menos ansiosa. Seria uma significativa e positiva transformação desta pessoa aqui e além do mais, não tenho absolutamente nada a perder. Já acreditei em coisas bem mais improváveis nessa vida.
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Não sei se volto budista ou se é só uma experiência; na verdade se parar pra pensar, não sei de absolutamente coisa nenhuma. Porque tudo e todos são tão inconstantes e surpreendentes que não tem como conseguir saber o que vai acontecer amanhã... mas fiquem vocês aí imaginando: eu, assim, bem zenzinha da silva, hein?

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