sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Entrega das chaves - 8 anos depois

Querida nova moradora, 
Talvez pareça o paraíso, simplesmente a melhor coisa do mundo fazer uma mudança para ir morar com o noivo (odeio essa palavra!) num apartamento maior e deixar o velho apartamento alugado (e o aluguel também) pra trás. Talvez realmente seja. O que não torna a saída do “Dom Silvio” e deste bairro uma coisa fácil, até porque...  já vimos este filme antes, não?
Morei aqui por menos de dois anos, sem porteiros e definitivamente odiada pelos vizinhos, talvez por isso eu só sinta falta realmente do meu cantinho. Nunca me contrataram como arquiteta do prédio, então não me culpa pelos bancos de plástico do hall de entrada. Ainda assim, ele é muito simpático. Aqui não tem salão de festas, mas o pátio vai ser teu salão de festas particular! Já assou churrasco em churrasqueira portátil? Ela está te esperando! Vizinhos... nunca fiz amizades fora aquele “oi” mais sorriso, típico de cruzada de portão; e olha que são pouquíssimos vizinhos. Já inimizades... Bom, a síndica é a única que é simpática comigo, trocamos ovos por gelo algumas vezes. A vizinha de cima controlou muitos impulsos de envenenar minhas cachorras com certeza (sim, elas latem) e outro vizinho quase colocou a filha em uma redoma com medo dos ataques fulminantes das duas. Tu estás proibida de fazer amizade com eles, e assim que possível reclama do dreno de cima que pinga no teu pátio! Ah! Tem os donos do Carvão e os donos da Tequila (veja bem, só sei os nomes dos cachorros...), com eles nunca tive problema e imagina só porque: os cachorros deles também latem!
Quando pegar um táxi para casa, é só dizer que tu quer descer ali na Castro Alves, entre a Ramiro e a Miguel, em frente ao estacionamento do Germânia. Se estiver vindo do Centro pela Independência, desce a Fernandes Vieira e economiza uns pilas, a primeira a esquerda já é a tua nova rua!
Se quiser dizer para qualquer pessoa onde fica, é só falar que é perto do Lola, do Capone, do Bier Markt. Todos sabem! O supermercado mais próximo é um Nacional, desculpa... pega um carro e vai até o Zaffari da Fernandes ou desce na Cabral e vai no Mercado do Alberto (que não é mais do Alberto)!  A farmácia mais próxima fica na Ramiro, mas numa corridinha tu chega ali, é uma bela Panvel. O Bife é virando a esquina e virando a outra esquina tem um Thai que é uma delicia! Estacionar na frente é uma missão difícil, as vagas são disputadíssimas, ainda bem que tu tem a tua com um motor de brinde! Já pensou portão manual em dia de chuva? Além disso, ela é um belo depósito de tralhas!
O apartamento tem suas peculiaridades. Como a ligação entre as salas, por exemplo, que é desconhecida pela proprietária; para isto minha obra de arte está no pátio para quando for necessário um fechamento de emergência! As instalações de telefone fazem voltas mirabolantes para fugir dos dentes da Pulga e da Panqueca. Por sinal, vais lembrar bastante delas: a porta da frente conta com a marca das unhas das duas. Pelo sofá, tu vais achar pelos da Pulga tu vais encontrar por um bom tempo. Da Panqueca, provavelmente pra sempre! A pintura do S. Adair não foi um primor, e abrir a janela do quarto para o “pátio coberto” no início vai parecer estranho (quantas vezes pensei e desisti de trocar o telhado...). Mas aí tem ele: o pátio, aquele salão de festas particular que falei ali em cima, que bate um solzinho delicioso. Curto no inverno, bem maior no verão, fundamental pro manjericão e pros Jasmins que ficam aqui pra ti! Vou morrer de saudades. Mas sei que vou vir aqui várias vezes, com as cuscas, pra matar a saudade da vizinha de cima também, hahahaha!
Essa é a minha 16ª mudança de casa, considerando que saí de Gramado em 91 pra ir pra Novo Hamburgo e daí pra frente não parei mais. Em Porto Alegre, foi minha oitava casa. Não tenho uma coisa ruim sequer pra falar daqui, só vivi coisas boas (discussões por e-mail com vizinha não contam!). Tinha aqui o que eu mais queria: espaço pra receber meus amigos! E o que seria a vida sem eles? Tá aí tu que não me deixa mentir!
Esse foi também o primeiro lugar que me senti vivendo com alguém de verdade. Foi aquele apartamento que de meu passou a nosso. E por acreditar nesse “nosso”, estou abrindo mão do que era só “meu”. Esses oito anos que separam a primeira entrega das chaves desta com certeza mudaram muita coisa. Nossas crenças, vontades, amores, sonhos. Até nossos apegos. Talvez por isso te deixe pedacinhos de mim aqui e feliz. Por saber que estou saindo daqui pra ser mais feliz ainda (mesmo sem pátio). E por ter certeza que esse cantinho aqui vai te fazer muito feliz. Ele é o primeiro passo solto depois de uma longa caminhada. Talvez um desvio. Uma bifurcação. Não sei. Só sei que leva pro caminho certo.  

Nenhum comentário: