quinta-feira, 26 de abril de 2007

Entrega das chaves

Querida nova moradora,

Talvez pareça o paraíso, simplesmente a melhor coisa do mundo fazer uma mudança para ir morar com o namorado num apartamento maior, num bairro melhor e deixar o velho apartamento alugado (e o aluguel também) para trás. Talvez realmente seja. O que não torna a saída da “Torre do Sol” uma coisa fácil.
Morei ali por 13 anos, meus porteiros literalmente me viram crescer, talvez por isso eu engasgue na hora em que me despedir deles. O porteiro da manhã, Seu Luis, é pai do porteiro da tarde, Seu Luis também. Ambos são muito prestativos, extremamente confiáveis e colorados. Seu Miguel, porteiro da noite, foi meu parceiro de muitas discussões futebolísticas e flautas, nas minhas chegadas e saídas, já que ele é gremista e tão fanático quanto eu. Esse mesmo Seu Miguel acompanhou várias chegadas na madrugada, grande parte delas que eu prefiro nem lembrar, ou melhor, que eu realmente mal lembro e espero que ele também não.

Uma chave reserva na portaria faz milagres e que fique registrado que eles não entregam ela nem sob tortura se a pessoa não estiver autorizada a subir.
Nunca me contrataram como arquiteta do prédio, então não me culpa pela decoração da portaria nem pelas campainhas e interruptores em dourado envelhecido de plástico espalhadas pelos corredores. E por falar em decoração, o prédio conta com um salão de festas onde tu vai poder assar muitos dos teus churrascos, desde que não se importe com as cadeiras e as toalhas de plástico, nem com as samambaias do zelador.
Vizinhos... nunca fiz amizades fora aquele oi mais sorriso, típico de elevador; e olha que tem vizinho que não acaba mais. Já inimizades... Bom, terá uma vizinha de andar com a qual tive um “pequeno” desentendimento, nada grave, já que não cheguei a jogar ela pelo décimo sexto andar. Graças a esta inimizade as pessoas não podem fumar no corredor (ponto para mim) nem tomar banho de sol no playground, vulgo PG (ponto para ela). Ela é amiga da síndica, chefe do comitê do sei lá o quê do edifício, melhor respeitar. Como eu fiz, mandando ela enfiar o cigarro imagina bem onde. Fora ela, o resto é gente fina. Muitos idosos, muitos médicos, muitos estudantes. Mas ainda bem que tu tem namorado; em 13 anos vi um único homem bonito pelos elevadores, e nem devia ser morador. Por sinal, muito cuidado: mulher bonita, vi muitas.

Quando pegar um táxi para casa, é só dizer que tu quer descer ali na Independência, entre a Coronel Vicente e a Pinto Bandeira, em frente a Santa Casa. Se for um taxista da Rodoviária ele vai querer o teu pescoço.
Se quiser dizer para qualquer homem dos seus trinta anos para cima onde é teu novo AP, basta dizer que é ali no Centro Comercial, onde ficava a Mega Force. Todos sabem!
O supermercado é mais caro, vive cheio, sempre tem coisas faltando, se está vazio só tem um caixa funcionando, mas tem um pão de queijo e uma salada de frutas sensacionais além de ficar a meio minuto de casa.
A farmácia está sempre aberta, menos quando tu mais precisa. A lojinha lá da frente vende quase tudo que tu possa imaginar, mas aguenta firme o cheiro de incenso. O cyber escondidinho lá no fundo te salva se teu computador te deixar na mão. O Tutty's é uma ótima opção de lanche ou cervejinha no final do dia, coisa que muitos residentes de medicina costumam fazer. Já eu, resolvi implicar com o filho do dono desde o dia que ele deu em cima de mim na Liquid e raras foram as vezes que pisei ali; só mesmo em casos de extrema necessidade, tipo vontade de comer chocolate depois das nove, hora que o super fecha. O safe park sempre aceita o golpe do “só vou subir ali pra pegar uma coisa e já volto”. E te confesso, já comprei na Damy Modas.
Esse foi o terceiro apartamento em que morei ali, mas foi o meu primeiro apartamento de verdade. Aquele apartamento que tu enche a boca pra dizer MEU, mesmo que não fosse meu realmente. Aquele apartamento que eu pintei da cor que eu mais gostava, comprei tudo o que eu mais queria e gastei o que eu não podia pra deixar ele com a minha cara. Tomar café da manhã na micro cozinha com o sol batendo no rosto está na lista das melhores coisas que ele oferece.
Meio que despedacei ele pra te entregar. O que não me acompanhou, de luminária a pingüim de geladeira, foi vendido, como tu sabe bem.
De qualquer jeito, cuida dele com carinho. Ele e aquele prédio todo tem muita história pra contar. E aquela vista maravilhosa, fica de presente para ti.

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