quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Daqui a muitos anos, numa terra desconhecida...

- E aí meu neto, a vó pegou tudo que tinha e vendeu pra se juntar com aquele que eu pensei lá pelas tantas que seria teu avô. Cama, fogão, geladeira, tudo, tudinho. Sobrou meia dúzia de móveis, como esse aqui onde a vó ainda guarda a roupa de cama. Mal sabia eu...
- Não deu certo vó?
- Mas não durou nem nove meses, meu filho! Tu não estaria aí hoje! Então depois de nove meses a vó foi lá, alugou um apartamentinho bem pequeninho e comprou tudo de novo, teu bisavô emprestou um dinheirinho e eu refiz a minha casa.
- O bisa é um cara legal, né vó?
- Naquele tempo ele me achava um pouco tan tan, mas ele sempre foi ótimo. Ele e a tua bisa só tiveram certeza de que eu era tan tan mesmo, pouco mais de um ano depois, no dia em que disse que ia vender tudo de novo, morar uns tempos no apartamento da tua tia avó junto com teus tios avôs, pra no meio do ano me mudar pra a Espanha.
- Espanha vó? A senhora morou na Espanha?
- Humpf. Era pra ter morado. Ah, Barcelona... fui até lá estudar, mas aqueles sem vergonhas daqueles catalães cancelaram o meu curso. Desempregada e sem o tal curso, tua vó colocou uma mochila nas costas e ficou por quase um mês viajando pela Europa. Essas coisas todas aí da estante, a Torre, a Máscara, o Pinocchio, essa boca que é de um artista muito famoso, tudo a vó trouxe dessa viagem. Foi lindíssima...
- E quando a senhora voltou, fez o que?
- Segui trabalhando, segui morando com teus tios, procurando uma casa para morar em Porto Alegre, mas tinha alguma sarna coçando mais uma vez, e um belo dia a tua vó aqui decidiu que queria se mudar pro Rio de Janeiro.
- De novo vó? Mas a senhora não parava quieta nunca?
- É meu filho, eu tinha muita energia e acho que não sabia muito bem onde colocar. Fiz minhas malas, deixei minhas poucas coisas na casa da minha irmã e me fui.
- E gostou de lá vó? O Rio é tão bonito! E a senhora adora praia até hoje!
- É bonito sim... mas eu quase enlouqueci naquela terra. Grande demais... pra mim, que sou de Gramado então? Me sentia perdida! Muito barulho, muita gente, muito trânsito, e tudo tão longe que só vendo. Ainda bem que tinha grandes amigos lá. Fiquei mais de um mês hospedada de casa em casa, parecia uma cigana! Mas era a Globo, né meu filho, eu não podia deixar de trabalhar lá.
- Nossa vó, a senhora trabalhou na Globo!
- Trabalhei sim. Mas a melhor parte vem agora. Sabe o que a tua vó fez pra se livrar dessa cidade grande que tanto assustava ela? Foi morar em uma ilha!
- Uma ilha vó? No Rio? Mas chegava como até lá?

- Pega aquela foto ali na estante. Tá aqui ó: Ilha da Gigóia é o nome dela. Tá vendo esse barquinho na lagoa? Tinham vários deles que davam toda a volta na ilha e me deixavam na porta da pousada. Pra ir trabalhar de manhã, era só tocar o sino que um deles vinha me pegar. A melhor parte do dia era quando eu descia do ônibus depois do trabalho, caminhava até a beira da lagoa e subia no barquinho. No verão, aquela era a única hora do dia em que soprava um ventinho no rosto. Eu fechava os olhos e agradecia por ter encontrado aquele lugar maravilhoso!
- Nossa vó quanta história legal! Tá, mas me conta uma coisa: e quando foi que a senhora conheceu o nosso vô?
- Mas sabe que é engraçado, meu filho, essa parte eu não consigo me lembrar? A vó tá ficando caduca, deixa isso pra lá.


É... acho que já não posso me queixar de falta de histórias pra contar pros meus netos.


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