quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Espelho

Fazia calor. No meio da madrugada fiz um coque no alto da cabeça de forma que o prendedor não batesse na cabeceira da cama enquanto amamentava.
Eram 5 e 40 quando o Lucas acordou pela segunda vez e determinou que o dia estava começando. Meu marido deixou meu café servido na cama e foi trabalhar. Enrolei o pequeno na cama até ser vencida por aqueles olhos arregalados. Levantei, conversei de longe enquanto lavava o rosto e me vestia. Fizemos nosso ritual de cada manhã, repleto de conversa, colírio, spray nasal e vitamina. Fomos passear, nós e as cachorras. Carrinho numa mão, guias na outra. Apesar do agito do passeio com elas, ele dormiu. Cheguei em casa pé ante pé pra estender um pouco meu tempo livre. Tentei atualizar currículo e portfólio enquanto cantarolava e embalava com o pé o carrinho. Rapidamente venceu o prazo dele ali. Pedi calma com jeitinho, "por favor, deixa a mãe terminar". Não funcionou. Troquei a fralda, dei de mamar. Dormiu. Ou quase. Não consegui manter ele no berço ou na cadeira de balanço por mais de 10 minutos. Novo passeio, só nós dois, mas dessa vez nem mesmo o trepidar do carrinho funcionou e no café com uma amiga não houve trégua. Voltamos para casa, pegamos as cachorras e lá fomos nós quatro passear outra vez. Cochilou. De volta, voei para o computador para terminar o que havia começado, vai que ele estivesse distraído. O barulho do teclado despertou ele em segundos. Ouvi o choro e lembrei do livro "Crianças francesas não fazem manha" no meu criado mudo. Um pouquinho de choro não vai fazer mal, só até terminar isso aqui e... como se lesse meus pensamentos o choro se tornou mais alto. Como assim deixar chorar? Peguei no colo, troquei a fralda, dei de mamar. A cena anterior se repetiu exatamente da mesma forma no passeio seguinte com as nossas parceiras. Me sentindo culpada por tentar trabalhar ao invés de dar atenção total a ele, me entreguei. Dei um colo bem apertado, segurando ele forte num abraço. Enquanto um braço doía quase adormecido, tive que coçar as costas na porta do armário, mudar de posição estava fora de cogitação. Chovia e a casa ficou numa penumbra tranquila. No Spotify tocava a trilha que fiz justamente para ouvir com ele, cheia de músicas que gosto e sei cantar. Tocou Lulu, tocou Vitor, tocou Marisa, tocou o rei. Cantava e parecia que as letras se uniam pra descrever aquele momento. Veio Legião. Vem cá meu bem, que é bom te ver, o mundo anda tão complicado que hoje eu quero fazer tudo por você. Ele dormiu. Seguimos nossa reunião dançante particular, embalando um ao outro. Dançamos de rosto colado por um tempo que pareceu durar pra sempre. Senti a mãozinha dele tocando meu braço, meu peito. Chorei, num misto de cansaço e emoção. Quis conseguir registrar de alguma forma aquela cena pra nunca esquecer o toque mais suave que meu corpo já sentiu. O pai dele chegou e passei a criança finalmente adormecida para os braços dele. Nos abraçamos exaustos, cada um do seu trabalho diário.
Fui até o banheiro e me olhei no espelho. Os olhos traduziam o dia. E o coque no alto da cabeça feito na madrugada seguia lá.

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