segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Novembro

Novembro se foi
E eu também
Mas fui até ali e voltei
Corri, parei e já recomecei
Gargalhei e chorei
Revivi e vi que superei
Senti, resisti, segurei
Desembaracei jibóias e operei
Andei de balanço e dancei
Brinquei e também briguei
Comemorei e por fim descansei
Coube quase um ano em novembro
Que respeitou melhor o tempo
Mas agora é o ano se indo
E dele já nem sei.
2025 teve seus versos
Mas não foi exatamente poético
Vai que com uma rima
dezembro entra no clima. 

sábado, 18 de outubro de 2025

Quem escolhe deixa

 Há uns 30 anos, tive um professor que me ensinou: quem escolhe, deixa. E taí uma coisa que não sei fazer: escolher! Qual prato do cardápio, qual sobremesa do buffet, qual série no Netflix, qual dos eventos marcados no mesmo dia (quem sabe uma passadinha em todos?), imagina as decisões importantes então? E tudo isso por medo de escolher errado e deixar o certo de lado. 

Hoje era dia de escolha.

Cansada do sábado (e da semana, e do mês, e muito provavelmente do ano), com ingressos comprados pra um show infantil, não sabia se mantinha a programação combinada com as crianças, ou desperdiçava ingressos, tomava um energético e ia pra Gramado comemorar o aniversário da minha mãe, bem mais importante afinal. Mas aí para, pensa na estrada, no dinheiro gasto, na expectativa das crianças, sai pra correr, sofre, compra presente, lembra que tá exausta, vai buscar as crianças que dormiram fora, nem tira a roupa da corrida, mas pega o presente. Decisões contraditórias da maluca da indecisão. Pois então tive a ousadia de entregar na mão da Mel a escolha.

- E aí Mel, o que a gente faz?

A primeira resposta foi aquela esperada: eu queria fazer as duas coisas! Bem vinda ao meu mundo, Mel! Conversa daqui, analisa dali, com o carro parado, virei pra trás e insisti:

- O que a gente faz?

Eis que então ela começa a chorar e grita:

- Eu não consigo escolher, mamãe!

Ah, meu amor, me perdoa. Eu te entendo tão, mas tão bem. Quem escolhe, sempre deixa. Mas acredita, nem sempre escolhe errado.

domingo, 28 de setembro de 2025

Poção do sono

As crianças ganharam um livro de magia da minha irmã. Melissa comunicou que a primeira poção que a gente faria, seria a poção do sono, porque as vezes ela tem muita dificuldade de dormir.

O leite morno da noite com uma gota de sonho (baunilha), um quase nada de pó encantado (canela) e algumas palavras mágicas (algo do tipo pirlimpimpim, poção mágica faça as crianças dormirem fácil assim!), viraram a poção do sono.

Lucas, pragmático, me pergunta desconfiado:

- Mãe, quando faz efeito e a gente começa a se acalmar?"

Incentivo ele a imaginar

- Lembra que se tu acreditar, vai funcionar!

Mel, sonhadora, nem pestaneja:

- Eu iá tô até me sentindo relaxada, sabia que ia dar certo!"

Um livro e três poemas depois, só eu seguia acordada. Certamente porque não bebi a poção.

"As pessoas sem imaginação, podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas. Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada."

(Mário Quintana, Lili inventa o mundo)


sábado, 27 de setembro de 2025

Sábados

Primavera me faz bem. Acordar num sábado de sol me deixa feliz. Parei numa sinaleira e me distrai cantando. Eu adoro essa música. Ouvi uma buzina e voltei a mim. Ele gesticulou com as mãos. Eu me desculpei. Paramos na próxima sinaleira. Ele voltou a gesticular. Eu mandei um beijo. Ele fez aquele gesto de "tu precisa de um pau bem grande". Eu fiz um coração com as mãos. Ele fez aquele gesto "tu precisa trepar". Eu não acreditei que um velho do lado de uma mulher idoda estava estava fazendo aquilo. Ele passou do meu lado e parou na próxima sinaleira. Eu fotografei o carro dele. Ele se assustou e assim que pode saiu da minha frente. Sem dar seta. Que teus desejos se realizem, meu senhor, eu ainda posso, já o seu querido não deve subir há tempos, talvez por isso tanta amargura.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Imigração

- Vacaciones?
- Trabajo.
- Cuantos dias?
- Tres.
- Casada?
- Um poco.
- Perdón?
- Un poco cansada.
- No, casada o soltera!
- Ah! Soltera. No! Casada! Digo, casada pero soltera. És conplejo...
- És chisme?
- Mira. Dejalo cansada!

[inmigración es cosa seria]

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Desculpa, não vou

Dia desses em uma reunião, um engenheiro começou a me desrespeitar. Um comentário desnecessário, uma grosseria gratuita, um sorriso irônico, até que minha calma, que muito aumentou com o tempo mas ainda se esgota facilmente, me fez levantar a voz. Imediatamente recebi uma mensagem de uma pessoa na mesma reunião: você é braba, hein? Ficou a dúvida se o engenheiro em questão teria recebido alguma mensagem crítica também.

Ontem sentei em uma mesa de bar com uma amiga que consigo encontrar muito menos do que gostaria, e em minutos havia um sujeito bêbado e inconveniente, debruçado na nossa mesa, jorrando cuspe ao falar com a língua enrolada, colado em nós. "Boa noite, o que tu vai pedir? Não, pede um negroni, posso incomodar vocês?" Sorrindo, respondi a minha bebida, avisei que não, nem eu pediria um Negroni, nem ele poderia incomodar. Ainda inconvenientemente e jorrando cuspe recebi um sonoro "que grossa".

Cito os dois últimos casos, de inúmeros.

É um estigma que carrego. Ser direta, honesta, em geral séria, muitas vezes dura, tudo isso transformado automaticamente em grossa, que sim, muitas vezes também sou. Assim como sou espontânea, debochada, divertida, irônica, sensível, carinhosa e amorosa. Nos momentos e com as pessoas certas.

Mas vivemos numa sociedade onde temos que baixar a cabeça ou sorrir pra tudo e todos. Não podemos revidar à grosserias com grosserias ou mesmo ironias. Devemos ser atacadas, interrompidas, agredidas, silenciados, desrespeitadas, ofendidas, invadidas, sorrindo, educadamente, e em silêncio se for possível.

Desculpa, não vou.

domingo, 24 de agosto de 2025

Embasamento científico

 Tenho uma teoria em relação à saúde, baseada em um total de zero dados científicos, que é a seguinte: quanto mais doente me sinto, mais doente eu fico. Acordei já cansada, dor no corpo, moleza, certo que é uma gripe chegando, fiquei na cama? É garantia de ladeira a baixo. Levantei de arrasto, mas lavei o rosto, coloquei uma música, tomei café e saí de casa? Em seguida nem lembro que acordei destruída. Pensei nisso hoje porque passei a semana assim. Todos os dias eu poderia [poderia, rá! poderia se eu pudesse poder!] ter ficado em posição fetal até gastar a cama de tão exausta e mal dormida e mole e bah... Não podendo [nem querendo] ficar mal, tirei forças do dedão do pé e levantei todos os dias, e lavei o rosto, e coloquei uma música, e tomei café, e saí de casa, e fiz a semana acontecer como se nada estivesse acontecendo. Domingo não foi diferente. E foi olhando o pôr do sol absurdamente lindo e inesperado de hoje, que me dei conta que digo isso em relação a estar doente, mas poderia pensar assim em relação a muito mais: quem sabe testar um quanto mais feliz me sinto, mais feliz eu fico? Não tem nenhum embasamento científico, mas também nada que diga que não possa funcionar.

sábado, 16 de agosto de 2025

Vestido verde

Há exatamente um ano escrevi um texto sobre separação.

Abro grandes parenteses pra dizer que escrever foi a forma que encontrei há tempos de tirar emoções de dentro de mim. Perdi o poder da fala pra essas emoções. Se envolver sentimento, eu abro a boca pra falar e choro, seja esse sentimento amor, alegria, tristeza ou raiva. Se envolver intensidade, transbordo. Não que isso deixe de acontecer escrevendo, mas nas palavras escritas, em distância segura das causas, tenho como esconder, disfarçar, reler, repensar. Mantenho um pouco do controle que me angustia tanto perder ao falar.

Fecho parenteses. Dias depois de ser escrito, aquele texto pensado somente pros meus filhos, se transformou em uma ideia de livro. Chamei a Julia pra ilustrar e quando ela me trouxe o primeiro esboço (vendo o qual me lavei chorando), pedi que ela trocasse a minha roupa. "Coloca um vestido verde, longo, solto, acho que desse jeito eu vou ser mais eu". 

O boneco do livro aconteceu. A editoração do livro aconteceu. O financiamento coletivo aconteceu. O lançamento aconteceu. A ideia de livro, virou um livro de verdade. E meu hiperfoco de meses, ali parido, chegou a me jogar num imenso vazio ao atingir o objetivo de existir e de se espalhar por aí.

Hoje, vesti o vestido verde que, sem nem pensar especificamente nele, descrevi pra Julia lá atrás, e fui ler a minha história pra quem estivesse na praça. Gaguejei, me emocionei, me atrapalhei. Tive a participação dos meus dois protagonistas, do livro e da vida, inúmeras vezes, oportunamente ou não. Lembrei porque tanto escrevo ao invés de falar, mas terminei o dia orgulhosa por ter aceitado o desafio de encarar e (tentar) controlar as minhas emoções.

sábado, 9 de agosto de 2025

Tombos

Coloquei um vestido hoje e ri sozinha lembrando do tombo que levei em Santiago usando ele. "Eu vou ali comprar o saxofone e já volto", e nessa meia volta, volver, algo saiu errado e de repente me vi no chão. Na mesma velocidade que eu caí, levantei, ainda que com as mãos latejando, o vestido todo sujo e pela dor, certamente com o joelho todo ferrado. Pois se o tombo atraiu pessoas pra me ajudar, meu sorrisinho cínico e minha postura de "tá tudo bem" rapidamente as afastou. Sacudi a sujeira, respirei fundo, segurei o choro e saí andando, como se nada tivesse acontecido ou estivesse doendo, afinal, vida que segue, eu tinha um saxofone pra comprar.

Caí então nas minhas inevitáveis analogias e concluí: "tombos literais" são bem mais fáceis de lidar.

domingo, 3 de agosto de 2025

Ciclos

Não sou boa em lidar com finais de ciclos. Sei que são inevitáveis, que fazem parte da vida, que abrem novos, quiçá melhores, e ainda assim é um processo e tanto aqui dentro, desde sempre.

Hoje, chegando em Gramado, quando tive que escolher vir pelo Centro ou pela F.G.Bier, algo dentro de mim não conseguiu evitar a segunda opção. Entrei naquela que foi a nossa rua e sabia que não estava preparada pra não ver a nossa casa, mas não tinha ideia do quanto. Parei o carro e desci na chuva.

Fiquei parada naquilo que um dia foi o portão de casa e chorei, porque aí tá uma coisa na qual sou ótima: transbordar sentimentos. Chorei por esse final de ciclo, e por outros. Um soco no estômago necessário pra pessoas como eu entenderem literalmente o fim das coisas.

Que venham os próximos ciclos. E que sejam melhores, sempre.