O dia começou cedo, mais precisamente as 4:30 da madrugada e depois de uma noite mal dormida devido a festa do vizinho do andar de cima somada àquele medo de não acordar e perder o voo das seis. Achava eu que tirar o tênis com fivela pra passar no raio X do aeroporto seria a parte ruim dele, mas este pensamento só durou até o momento em que entrei no avião e percebi onde ficava meu lugar, poltrona 38A, a última do avião e sem reclinação. Mas meu assento não era o 3A? De onde havia saído aquele 8? Tentando ser educada, perguntei se havia outro lugar enquanto explicava a situação. Apesar dos olhares fulminantes recebidos, a comissária conseguiu um novo lugar pra mim. Ao chegar em Guarulhos vi que fazia frio e estava nublado, mas sorte do dia era que não choveria! Fiz contato com o proprietário do apartamento do Copan que havia alugado via Airbnb e estava ansiosa pra conhecer, pra avisar que estaria chegando em no máximo uma hora pra deixar minhas coisas. Dois dias antes ele já havia antecipado que tínhamos um problema: uma pessoa havia feito uma reserva relâmpago e o apartamento reservado pra mim no domingo desde as 9hs da manhã, só estaria liberado depois das 13hs. Mas tudo certo, a rua me espera e é domingo, não é mesmo? É. Ou melhor, era uns dias antes, quando respondi um simpático "sem problemas". Mas depois de uma noite mal dormida, de um voo não dormido e de uma recepção paulista sem sol, poder acomodar as coisas, tomar um banho e dar uma descansada começaram a parecer uma ótima ideia. Mas como eu dizia, é domingo, sem stress. Então sem stress e sem retorno do (tal) proprietário, desci do ônibus na Praça da República e comecei a olhar pra cima buscando as curvas da fachada tão conhecida pra lembrar pra que lado eu deveria ir. Quando andei um pouco e reconheci o Copan, vi que estava coberto daquela tela azul - sinônimo de reforma e me entristeci. Mas respirei fundo e segui meu rumo, paciência. Chegando lá e ainda sem contato algum do (querido) proprietário, comecei a saga pra descobrir qual das seis portarias seria a minha. Depois de visitar a C, a D, e a F, cheguei a portaria B de Bingo e vejam que sorte, não precisei percorrer as seis, apenas quatro delas! Ainda tentando manter o bom humor, esperei o (infeliz do) proprietário olhando no relógio a cada 30 segundos enquanto pensava que seria bem educado da parte dele ter chegado ali antes de mim. Quando finalmente ele chegou, quinze minutos após o combinado, trinta minutos após eu ter chegado e uma hora e trinta depois de eu ter avisado que estava a caminho, conversamos um pouco sobre os imprevistos, sobre a obra, sobre que pena a fachada estar coberta e eu ser arquiteta e sobre o fato de termos mais uma questão a resolver. As malas não ficariam na portaria do prédio e sim no apartamento dele, logo ali do lado, onde eu não poderia ir junto, mas sem preocupações! Um amigo que já estaria chegando, ajudaria ele a levar tudo para cima. Respirei fundo (bem fundo) pra lembrar que tudo estava bem. Deixei as coisas na mão do (cretino do) proprietário e de Deus e fui ao encontro do amigo que me salvaria da minha maré de azar, não sem antes dizer: por favor, cuida que aqui tem um note, tá? Café da manhã, cachorros, parque, museu, almoço, sobremesa, café. Tudo em perfeita harmonia e companhia. Chegava então a hora de voltar ao meu paradouro que a canseira começava a bater. Por mensagem, o (desgraçado do) proprietário havia me avisado que minhas coisas já estavam lá e que ele deixaria a chave escondida, não iria até lá me encontrar. Achei um pouco de descaso por parte do simpático rapaz tão bem citado nas indicações do Airbnb, mas quem sou eu pra julgar? Subi até o 32 andar, fotografei o corredor curvo que acompanha a silhueta da famosa fachada e girei a chave. Antes de entrar, sofri um pouco pra tirar ela da fechadura, coisa de prédio velho, né? É. Prédio velho tem disso. Disso e de cheiro de mofo também. Porque prédio velho é úmido e frio, né? Talvez também por culpa da janela quebrada consertada com fita transparente, típico de prédio velho. Tem também cortinas mal penduradas de cor amarela que não protegem do sol, e tem piso do box destruído daqueles dignos de banho só com havaianas e bem diferente da foto no site onde uma grama sintética (estranhamente) cobria ele. Foto tem photoshop e pior: não tem cheiro nem termômetro, por mais que se possa mudar a temperatura da cor. Um pouco triste e sem saber o que fazer, pensei em ligar a TV pra me distrair, mas a TV indicada no site não existia. Tentei então mudar o layout pra acomodar meu computador e poder usar confortavelmente pensando em assistir um filme, talvez, mas não sem antes dar um jato do Bom Ar aroma cedro e laranja encontrado no banheiro pra tentar tirar o cheiro de mofo do ar. Mas algumas fotos postadas depois, percebi que meus pés estavam congelados e minha calça tão úmida quanto o sofá que eu estava sentada. Neste momento, o filme que eu procurava deu lugar ao site do Ibis e a um e-mail (realmente) gentil pro (maldito) proprietário, citando algumas questões que não batiam com o anúncio e que faziam com que eu quisesse amigavelmente cancelar a reserva apesar da política rígida de cancelamentos, afinal, minha intenção era apenas não ter prejuízo e não rebaixar o apartamento dele no Airbnb; outras pessoas poderiam ser menos exigentes, ou menos chatas, não é mesmo? Uma hora depois e sem resposta, a reserva no hotel estava feita. Avisei então que estava saindo dali e que aguardaria a resposta dele até amanhã, antes de contatar o site. Tirei fotos, tive certeza de ter pego tudo e bati a porta, feliz com a decisão. Deixei a chave no mesmo lugar que encontrei, não sem antes sofrer um pouco para tirar ela da fechadura. Pensei seriamente se voltaria no outro dia pra visitar o terraço e chamei o Easy Táxi. Quando o táxi chegou, um senhor de seus 80 anos tentou pegar ele antes de mim, mas o motorista avisou que havia sido chamado pelo aplicativo. Pobre do senhor, não sabia o que era isso, o celular dele era daqueles de 80 reais, não tinha dessas coisas e se queixou que aos domingos aquela hora era difícil conseguir táxi. Perguntei se o taxista topava fazer minha corrida que era curta e deixar o senhor embarcar junto pra depois ir do meu hotel até o seu destino e ele topou. Fiquei feliz de ter ajudado o Sr. Nelson a ir lá pros lados do Largo do Batata; fiquei feliz de engatar uma corrida maior pro taxista Fabiano depois dele fazer a minha corridinha de dez pila. Entrei no hotel ainda feliz e enquanto fazia o check in pensava em escrever um post sobre fazer coisas boas mesmo quando tudo parece dar errado, e mesmo quando tu estás prestes a pagar um hotel sem saber se vai ver o dinheiro da hospedagem anterior de volta. Pensei em fazer a minha brincadeira do Deus tá vendo, né Deus? Afinal eu estou aqui por uma boa causa, a trabalho, apoiando um evento no amor, lembra Deus? Peguei o elevador até o quarto andar, andei pelo corredor reto, entrei no quarto e inspirei o cheiro de limpeza que pairava no ar. Neste exato momento deixei meu note cair no chão, aquele, que eu pedi pro (pouco se lixando pra mim do) proprietário cuidar bem. A tela quebrou. Coloquei ele na mesa, testei, ele ligou. Sentei na beirada da cama, ela não estava úmida e o quarto estava quentinho. Liguei pro marido rindo e chorei. Ele me consolou lembrando que ao menos o note estava funcionando! Escrevi meu post no note com a tela quebrada, mas saiu um pouco diferente do que tinha inicialmente imaginado. E agora vou finalmente tirar meu tênis de fivela, pela segunda vez no dia.