Me tornei arquiteta por acaso. Sonhar de verdade, sonhei em ser veterinária (apesar de não curtir muito sangue), jogadora de vôlei (faltaram vários centímetros) e por muitos e muitos anos publicitária. Pra esse último faltou peito. Peito pra largar a arquitetura no terceiro semestre, quando eu tive certeza que não sobreviveria àquilo muito tempo. Não tive peito, e cinco anos depois de quase chutar o balde, estava com o canudo na mão.
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Demorei pra me achar dentro daquilo que nem sabia se queria. Trabalhei com duas bolsas na faculdade até conseguir meu primeiro estágio. Uma delícia, lá no Belém Novo, pra onde eu ia bem feliz todos os dias numa jornada de mais ou menos uma hora de ida e mais uma de volta. Arquitetura? Bom, não exatamente. Mas que fiquei craque em encardenar, imprimir e escanear, isso eu fiquei. Quando estava fazendo meu trabalho de diplomação (TCC pros modernos, mas que na nossa época era a chamada diplomação) ainda inventei de fazer jornada dupla: de manhã num novo escritório (porque achava que precisava mais do que encardenar, imprimir e escanear como experiência pra ser uma boa arquiteta) e de tarde lá pelas bandas do Belém Novo. Jornada tripla, se pensar que tinha que chegar em casa e encarar a minha revitalização do Hopsital Psiquiátrico São Pedro, tema muito bem escolhido como trabalho de conclusão, já que eu estava certa a esta altura do campeonato que era lá que eu iria parar.
Quando me formei, depois de dois anos como estagiária no mesmo lugar, fiz questão de zarpar de lá pra qualquer outro lugar que me visse de cara como arquiteta e não como estagiária. Eu achava que precisava impor respeito de algum jeito, já que com 23 anos, a minha carinha de 18 e meus 1.64m não ajudavam muito. Mandei currículos e automaticamente dois trabalhos apareceram. A eternamente indecisa optou, é claro, pelos dois. Manhã em um, tarde em outro e vamos ver qual é o mais divertido. Entre um homem louco e uma mulher insana, fiquei com o primeiro e nesta construtora passei praticamente mais dois anos da minha vida, totalmente incerta daquilo que eu queria.
Ainda estava lá quando comecei a pensar em mudar de rumo mais uma vez. Apareceu um trabalho numa empresa onde várias amigas já haviam trabalhado e onde alguns anos antes tinham me recusado como estagiária (o que eu adoro repetir até hoje pras minha chefes...). Se a Kelen conseguiu largar um osso pra pegar o outro? É óbvio que não. E por mais ou menos três meses fiquei brincando de subir e descer a Lucas de Oliveira entre um escritório e outro até me dar conta que era ali, naquele novo lugar, que eu descobriria a arquitetura que eu iria me apaixonar.
Entrei nesse escritório pra fazer projetos pra um só cliente. Mas a minha sede de aprender aumentou e logo eu ganhei outros projetos. Me infiltrei na arquitetura comercial. E como é que ninguém tinha me apresentado isso antes? Comecei a me divertir com lojas, bares e restaurantes e achei que tinha descoberto a felicidade.
Até que em um certo dia de 2002, apareceu um projeto diferente. Ele ia ser montado num estacionamento do shopping e ia ficar lá por uma semana. Logo depois desmontava e o estacionamento voltava a ser um estacionamento. Fiquei de antenas ligadas no que as pessoas conversavam enquanto desligava meu computador pra ir embora do escritório. Era véspera do feriado de primeiro de maio e a entrega desse projeto misterioso era logo depois do feriadão. Quando estava prestes a sair do escritório, escutei uma das sócias perguntar: quem é que topa encarar este projeto de risco neste final de semana? Não sei exatamente com o que na cabeça eu me virei e respondi: eu topo. A partir desse dia, "risco" e "final de semana perdido" foram duas coisas que eu escutaria muitas e muitas vezes. Mas provavelmente foi a partir desse dia também que eu descobri o que é realmente gostar do que se faz.
Essa coisa se chama arquitetura efêmera. Passageiro, transitório, volúvel, perene, que dura pouco tempo. Estas são algumas traduções do que é efêmero. E a arquitetura efêmera é isso aí. E foi por isso aí que depois de mais de dez anos de arquitetura na veia eu realmente me apaixonei. Depois daquele tal projeto de risco que ganhamos, vieram mais e mais projetos efêmeros para os quais, misturados com projetos de arquitetura comercial infinitos e cansativos, comecei a dar cada vez mais valor. Monta, desmonta, termina. O simples fato de saber que aquilo vai durar pouco, dá asas a imaginação.
Criar. Esse é sem sombra de dúvidas meu verbo preferido e o que mais me ferra. Porque sim, eu passaria todos os meus dias criando e colocando as minhas criações em prática e amando isso tudo. Desde que de preferência eu não precisasse detalhar e especificar todas essas criações. Como vai fazer? Como vai prender? Quanto vai pesar? Ah, na hora a gente resolve... Não, não pode. Tem a ISO, tem a chefe, tem a Dagmar, tem os bombeiros. Pronto. Não adianta. Todo amor só é bem grande se for triste, logo, não é porque é efêmero que não tem regras (mas eu sigo amando mesmo assim).
Tecidos, caixas, papel, flores, vidro, madeira, acrílico, PVC, PS, cola, dupla-face, nylon, OSB, bagum, tapadeira, adesivo, par 38, strobo, elipso, LED, video wall. A gente vai dominando um pouco de cada área, a gente conhece materiais e técnicas novas a cada dia, a gente para de pedir pra alguém pregar alguma coisa e começa a pegar o martelo e o prego e pregar sozinha, a gente se pendura em escadas tendo medo de altura, a gente distribui bombons pro pessoal trabalhar mais feliz, a gente conhece cada pessoa envolvida na montagem pelo apelido, a gente gruda verduras na parede, a gente faz roupa virar luminária, a gente faz sapato virar escultura, a gente faz um estacionamento virar uma passarela, a gente não é santo, mas às vezes a gente quase faz milagre.
Na quinta-feira desta semana apareceu um cliente querendo um projeto. E pela primeira vez a gente não tinha dias, a gente tinha horas pra fazer ele, já que a montagem seria no dia seguinte. Em meio a um pouco de fúria e outro tanto de prazer, o projeto ficou pronto e na sexta mesmo começou a ser montado. Hoje, sábado, eu deveria ir pra lá as oito da manhã finalizar. Estávamos eu e a equipe pontualmente montando quando começou a ventar. E pra chover não demorou muito tempo. E em minutos eu, o faxineiro e o instalador de adesivos, ficamos igualmente molhados e agarrados nas lonas que insistiam em voar, tentando manter elas no lugar. Futtons molhados prum lado, objetos que estavam na chuva pro outro, muda o layout, segura e amarra a lona, cuidado que vai voar, move, carrega, ajeita, pronto, deu.
Minutos depois do vento parar e da chuva dar uma trégua, olhei pro ambiente montado e fiquei me perguntando. Será que vou viver assim pra sempre? Mas logo em seguida veio outra pergunta: será que eu viveria sem isso?
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Demorei pra me achar dentro daquilo que nem sabia se queria. Trabalhei com duas bolsas na faculdade até conseguir meu primeiro estágio. Uma delícia, lá no Belém Novo, pra onde eu ia bem feliz todos os dias numa jornada de mais ou menos uma hora de ida e mais uma de volta. Arquitetura? Bom, não exatamente. Mas que fiquei craque em encardenar, imprimir e escanear, isso eu fiquei. Quando estava fazendo meu trabalho de diplomação (TCC pros modernos, mas que na nossa época era a chamada diplomação) ainda inventei de fazer jornada dupla: de manhã num novo escritório (porque achava que precisava mais do que encardenar, imprimir e escanear como experiência pra ser uma boa arquiteta) e de tarde lá pelas bandas do Belém Novo. Jornada tripla, se pensar que tinha que chegar em casa e encarar a minha revitalização do Hopsital Psiquiátrico São Pedro, tema muito bem escolhido como trabalho de conclusão, já que eu estava certa a esta altura do campeonato que era lá que eu iria parar.
Quando me formei, depois de dois anos como estagiária no mesmo lugar, fiz questão de zarpar de lá pra qualquer outro lugar que me visse de cara como arquiteta e não como estagiária. Eu achava que precisava impor respeito de algum jeito, já que com 23 anos, a minha carinha de 18 e meus 1.64m não ajudavam muito. Mandei currículos e automaticamente dois trabalhos apareceram. A eternamente indecisa optou, é claro, pelos dois. Manhã em um, tarde em outro e vamos ver qual é o mais divertido. Entre um homem louco e uma mulher insana, fiquei com o primeiro e nesta construtora passei praticamente mais dois anos da minha vida, totalmente incerta daquilo que eu queria.
Ainda estava lá quando comecei a pensar em mudar de rumo mais uma vez. Apareceu um trabalho numa empresa onde várias amigas já haviam trabalhado e onde alguns anos antes tinham me recusado como estagiária (o que eu adoro repetir até hoje pras minha chefes...). Se a Kelen conseguiu largar um osso pra pegar o outro? É óbvio que não. E por mais ou menos três meses fiquei brincando de subir e descer a Lucas de Oliveira entre um escritório e outro até me dar conta que era ali, naquele novo lugar, que eu descobriria a arquitetura que eu iria me apaixonar.
Entrei nesse escritório pra fazer projetos pra um só cliente. Mas a minha sede de aprender aumentou e logo eu ganhei outros projetos. Me infiltrei na arquitetura comercial. E como é que ninguém tinha me apresentado isso antes? Comecei a me divertir com lojas, bares e restaurantes e achei que tinha descoberto a felicidade.
Até que em um certo dia de 2002, apareceu um projeto diferente. Ele ia ser montado num estacionamento do shopping e ia ficar lá por uma semana. Logo depois desmontava e o estacionamento voltava a ser um estacionamento. Fiquei de antenas ligadas no que as pessoas conversavam enquanto desligava meu computador pra ir embora do escritório. Era véspera do feriado de primeiro de maio e a entrega desse projeto misterioso era logo depois do feriadão. Quando estava prestes a sair do escritório, escutei uma das sócias perguntar: quem é que topa encarar este projeto de risco neste final de semana? Não sei exatamente com o que na cabeça eu me virei e respondi: eu topo. A partir desse dia, "risco" e "final de semana perdido" foram duas coisas que eu escutaria muitas e muitas vezes. Mas provavelmente foi a partir desse dia também que eu descobri o que é realmente gostar do que se faz.
Essa coisa se chama arquitetura efêmera. Passageiro, transitório, volúvel, perene, que dura pouco tempo. Estas são algumas traduções do que é efêmero. E a arquitetura efêmera é isso aí. E foi por isso aí que depois de mais de dez anos de arquitetura na veia eu realmente me apaixonei. Depois daquele tal projeto de risco que ganhamos, vieram mais e mais projetos efêmeros para os quais, misturados com projetos de arquitetura comercial infinitos e cansativos, comecei a dar cada vez mais valor. Monta, desmonta, termina. O simples fato de saber que aquilo vai durar pouco, dá asas a imaginação.
Criar. Esse é sem sombra de dúvidas meu verbo preferido e o que mais me ferra. Porque sim, eu passaria todos os meus dias criando e colocando as minhas criações em prática e amando isso tudo. Desde que de preferência eu não precisasse detalhar e especificar todas essas criações. Como vai fazer? Como vai prender? Quanto vai pesar? Ah, na hora a gente resolve... Não, não pode. Tem a ISO, tem a chefe, tem a Dagmar, tem os bombeiros. Pronto. Não adianta. Todo amor só é bem grande se for triste, logo, não é porque é efêmero que não tem regras (mas eu sigo amando mesmo assim).
Tecidos, caixas, papel, flores, vidro, madeira, acrílico, PVC, PS, cola, dupla-face, nylon, OSB, bagum, tapadeira, adesivo, par 38, strobo, elipso, LED, video wall. A gente vai dominando um pouco de cada área, a gente conhece materiais e técnicas novas a cada dia, a gente para de pedir pra alguém pregar alguma coisa e começa a pegar o martelo e o prego e pregar sozinha, a gente se pendura em escadas tendo medo de altura, a gente distribui bombons pro pessoal trabalhar mais feliz, a gente conhece cada pessoa envolvida na montagem pelo apelido, a gente gruda verduras na parede, a gente faz roupa virar luminária, a gente faz sapato virar escultura, a gente faz um estacionamento virar uma passarela, a gente não é santo, mas às vezes a gente quase faz milagre.
Na quinta-feira desta semana apareceu um cliente querendo um projeto. E pela primeira vez a gente não tinha dias, a gente tinha horas pra fazer ele, já que a montagem seria no dia seguinte. Em meio a um pouco de fúria e outro tanto de prazer, o projeto ficou pronto e na sexta mesmo começou a ser montado. Hoje, sábado, eu deveria ir pra lá as oito da manhã finalizar. Estávamos eu e a equipe pontualmente montando quando começou a ventar. E pra chover não demorou muito tempo. E em minutos eu, o faxineiro e o instalador de adesivos, ficamos igualmente molhados e agarrados nas lonas que insistiam em voar, tentando manter elas no lugar. Futtons molhados prum lado, objetos que estavam na chuva pro outro, muda o layout, segura e amarra a lona, cuidado que vai voar, move, carrega, ajeita, pronto, deu.
Minutos depois do vento parar e da chuva dar uma trégua, olhei pro ambiente montado e fiquei me perguntando. Será que vou viver assim pra sempre? Mas logo em seguida veio outra pergunta: será que eu viveria sem isso?
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