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Me chamaram em uma empresa de RH e me convidaram pra vender... luz. Tentando ser sucinta (coisa que eu definitivamente não sei ser), os espanhóis tem um prazo pra escolher dentre 19 empresas pra comercializar a luz gerada por outra empresa e eu era contratada de uma dessas tantas. O trabalho? Simples: cheia dos "hola que tal", entrar em todos os estabelecimentos comerciais existentes, oferecendo a minha empresa. Nada de fixo, mas valendo €25 por contrato fechado, meta de quatro por dia, resultando tipo €2000 por mês. Simples né? Seria. Se tu não tivesse que falar somente com o titular da conta de luz, se 70% das pessoas não estivessem de férias, 10% já não tivessem escolhido outra empresa e 10% não tivessem carga suficiente pra entrar no teu esquema. Os outros 10%? Querem mais é que tu vá pro infierno, "porque solamente robam a nosotros, porque este govierno de mierda y porque la puta madre" e daí pra baixo. Durei um dia e disse "hasta la vista".
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Em seguida, decidi encarar mais uma entrevista, dessa vez para o cargo de promoter nas Ramblas. A vontade de gargalhar na entrevista é enorme. Quando a mocinha avisou que não tinha ganho fixo, que eu tinha que oferecer "tapas y chupitos" e que ganharia €1 por pessoa que fosse até lá, me controlei pra não soltar uma gaitada. Mas veja bem: não basta ir até lá, tapas y chupitos y tal y cosa y cosa y tal e ir embora, tem que consumir, senão, nada de euros. Pra completar, eu era apenas a promoter de número 27 (ah claro, o flyer, com teu número tem que ser entregue, se ele já foi pro lixo e a pessoa foi até lá, não adianta dizer que recebeu daquela chica, muy rica y tal y cosa y cosa y tal, não nada de euros). Mas enchi o peito e encarei, cheia dos "hola que tal". E olha, putaqueospariu, êta gente bem grossa. Jurei, e tenho cumprido com êxito, nunca mais evitar flyers na rua ou pelo menos sorrir e dizer um educadíssimo "gracias". Fiz algumas anotações mentais sobre as diferentes reações das pessoas. Casais de idade são os mais educados (e para esses eu falava em Happy Hour, chupitos nem pensar). Os jovens querem é saber de night e de olhar pra tua bunda. Italianos são os mais simpáticos. Franceses, pegando ou não o flyer, são sempre educados, mas adoram dizer que não te entendem. Ingleses e semelhantes te dizem um "no, thank you" que tu chega a ficar com medo. E orientais fogem de ti assustados como se tu fosse o Satan Goss. Setenta folders depois, vi um único e educadíssimo casal de franceses entrando no lugar. Durei um dia e disse "hasta la vista". E nem peguei meu euro.
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Ontem de manhã recebi um SMS dizendo que meu currículo tinha sido selecionado e me pedindo pra entrar em contato. Não dizia selecionado por quem, nem pra que, mas a otária ligou. Uma vozinha em espanhol disse muy rápido que "el custo de esta chamada bla bla bla no se que más". Quando o carinha do outro lado começou a falar, deletei o "bla bla bla" da cabeça e dei atenção pra ele que parecia interessadíssimo no meu excelente currículo, mas tinha que repassar ele todo por telefone e completar alguns dados. E não, não queria fazer entrevista para agilizar o processo e não, não tinha como eu mandar meu currículo completo por e-mail. Uns dez minutos depois (e espero do fundo do coração que não tenha sido muito mais que dez minutos depois), "muchas gracias, com certeza será muito rápido ter retorno com um currículo desses, adios". Fiquei feliz da vida até me cair a ficha, horas depois, que era golpe. Esses hijos de una puta madre, ganham dinheiro com a tua ligação, são de RH un carajo. Otária. Muito otária. Quando essa conta de telefone chegar... com certeza eu vou lembrar do que dizia o tal do "bla bla bla".
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E pra encerrar essa longa história, hoje de manhã já sem saco nenhum pra nada relacionada a trabalho, recebi um e-mail de alguém que havia recebido meu currículo convidando pra trabalhar em um congresso de cardiologia. Currículo com foto, ó, pelo menos me acharam bonitinha, já é um começo. Liguei pra pedir mais informações e juro que pela primeira vez tive dificuldades de comunicação em espanhol. A pessoa do outro lado por mais de uma vez disse que não conseguia me entender. Falei de novo, bien despacito, e por fim ela chegou a conclusão que eu não servia pro negócio por não ter a tal da porcaria do número de identidade de estrangeiro. No meio da conversa, a cretina me larga "porque yo tambien soy brasileña y bla bla bla". Ah, mas que vaca. Justo uma brasileira não estava me entendendo no telefone? Vá chupar um prego, ou una clava, como preferir.
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E enquanto digitava este post entrou uma mensagem em inglês no meu celular da Lidyana (who?), que estará recrutando amanhã a tarde para o cargo de promoter do Barcelona Party Night. Olha vou dizer uma coisa. Se eu deixar de ir pra praia pra ir neste troço e esta vaca me vier com emprego sem ganho fixo, juro, cago ela a pau . E depois vou pra praia, bem feliz. Porque antes de sair do Brasil, o discurso é "topo qualquer coisa, desde que não afete minha integridade física". Chegando aqui, tu acrescenta nessa frase a tua integridade moral.